Quando, na madrugada de 27 de novembro de 1807, o príncipe regente D. João (1767-1826) embarcou, pretendendo iniciar a longa viagem que o conduziria para o Brasil, as tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821) avançaram na direção das fronteiras portuguesas. Porém, em virtude das condições inadequadas para a navegação, a esquadra portuguesa saiu do porto de Lisboa apenas na manhã do dia 29, auxiliada pelo vento favorável que soprava de nordeste. No dia seguinte, o general francês Jean-Andoche Junot (1771-1813), Duque de Abrantes, comandante das forças invasoras, entrou, vitorioso, em Lisboa, encontrando a população ainda bastante surpresa e atordoada diante dos recentes episódios.
“Viva Portugal! Vivam as cinco chagas de Cristo! Morra a França!” Tais exclamações, misto de patriotismo e religiosidade, possivelmente ainda fossem ouvidas por aqueles que, perplexos, continuaram em Lisboa. Eventualmente, as vaias populares ecoavam na memória dos apressados viajantes que, naquela manhã fria de outono, embarcaram na comitiva que seguia ao lado da família real portuguesa para a América. Talvez os gritos e as lamúrias de D. Maria I (1734-1816), fragilizada pela doença, recusando-se a entrar na nau capitânia, já tivessem sido esquecidos pelos que ficaram no Reino. Talvez.
Diante da realidade da viagem, que se desenhava dura e longa, outros pensamentos afligiam aqueles que zarpavam rumo à sede do vice-reinado no Brasil – o Rio de Janeiro. Apesar do passado de Portugal ser marcado pelas conquistas marítimas nos séculos XV e XVI, as viagens oceânicas eram incomuns no século XIX, especialmente para terras tão distantes. O príncipe D. João apenas se ausentou uma vez do Reino, quando foi se encontrar com o sogro – o rei de Espanha, Carlos IV (1748-1819) –, na região de Badajóz, um pouco além da fronteira entre as duas monarquias.
É possível imaginar, então, o sentimento dos viajantes, que enfrentariam cerca de dois meses de uma travessia monótona. Preocupações e resmungos foram uma constante para os embarcados com destinos incertos. Os versos do poeta português Fernando Pessoa traduzem o momento:
“Sei que me espera qualquer coisa
Mas não sei que coisa me espera”.