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O Palácio do Catete, antiga residência do Barão de Nova Friburgo e atual Museu da República, foi sede do governo federal entre 1897 e 1960. Foto de 1897 (Crédito: Marc Ferrez/Wikimedia Commons)

O bairro do Catete está localizado na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e, hoje, possui um importante comércio de rua, onde dezenas de lojas movimentam a população da região e de outros pontos da malha urbana que procura um lugar para compras. Nessa localidade de ocupação remota existem, ainda, inúmeros sobrados e prédios históricos. Relatos antigos já se referiam, de maneira frequente, ao Caminho do Catete. Nessas cercanias, existia uma extensão do Rio Carioca que foi sendo aterrada e ocupada pelas populações.

Atualmente, a região possui colégios, bancos, hospitais, escritórios e uma estação do metrô, além do Museu da República, em um prédio repleto de memórias. O museu ocupa as dependências de um antigo palacete erguido à beira do terreno e que foi construído entre 1858 e 1867, a mando do rico comerciante e fazendeiro de café Antonio Clemente Pinto (Barão de Nova Friburgo). Segundo o museólogo Cícero Antonio F. de Almeida, consta que a edificação feita à beira do terreno foi um desejo da baronesa, que argumentara: “Ó barão, pensas que vou descer lá da fazenda, no meio do mato, para viver aqui cercada de mato também? Quero a casa dando janelas para a rua!”.

Por mais de 60 anos, o Palácio do Catete foi o coração do Poder Executivo brasileiro e palco de acontecimentos marcantes. Pelo seu interior e pelos seus jardins (um grande pomar no tempo do Barão), circularam personalidades e anônimos. Presidentes com as suas famílias ali viveram e trabalharam; acordos foram celebrados ou planejados; leis, aprovadas e assinadas. Mas a sua memória republicana, enquanto sede do Poder Executivo federal, encontra-se fortemente vinculada ao presidente Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), que governou o país por muito tempo.

Sua longa permanência no poder fez com que se transformasse em uma das figuras mais marcantes da vida política brasileira no decorrer do século XX, permitindo que se fale em uma Era Vargas. A marchinha Seu Getúlio Vem, de André Filho, lançada em 1931 para os festejos carnavalescos, deixa bem visível a associação entre Vargas e o Palácio do Catete:

“Oh seu Getúlio vem
Oh seu Getúlio vem
Lá no Catete
Só ele nos convém (...)
No Palácio do Catete
Vamos ver quem tem mais caroço
A vitória há de ser um fato
Porque o gaúcho é um colosso”.

Conduzido ao poder em outubro de 1930 por um movimento – alvo de interpretações diferenciadas – que se autoproclamava revolucionário, Vargas permaneceu provisoriamente na presidência até a promulgação da Constituição de 1934, que legalizou sua permanência no governo, ampliando os poderes presidenciais. A tendência crescente de autoritarismo político concretizou-se, em novembro de 1937, no chamado Estado Novo. O Diário Oficial publicou o texto de uma nova Constituição e tropas cercaram o Congresso, que foi dissolvido. Essa fase ditatorial de seu governo se estendeu até 1945, ano em que foi deposto.

Getúlio voltou a governar o Brasil após uma campanha em que pontuaram temas como a defesa da industrialização e a necessidade de ampliar a legislação trabalhista. Ele também repetiu o slogan, citado pelo museólogo Cícero Antonio F. de Almeida: “Se eleito, o povo subirá comigo as escadarias do Catete”, demonstrando que a “ascensão ao poder era, então, identificada pelas escadarias do Catete, que conduziriam ao centro do poder na República”. Eleito, Vargas tomou posse em janeiro de 1951, sucedendo o presidente Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) e dando início ao segundo período de governo constitucional – então, por meio das urnas.

O novo presidente encontrou um país bastante diverso daquele que deixara em 1945. A situação internacional, em tempos da chamada Guerra Fria, era outra. Não se falava mais em países atrasados, mas em países subdesenvolvidos – conceito elaborado por pensadores que participaram de uma reunião promovida pelas Nações Unidas em 1948. Os problemas internos estavam interligados à alta inflacionária, ao custo de vida, às greves e, ainda, às críticas ferrenhas de opositores nos partidos políticos e nos jornais. Enfrentando dificuldades, com a crise se avolumando em meio à crescente oposição, à perda de base de sustentação política e à tentativa de assassinato contra o jornalista Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977), Getúlio Vargas suicidou-se em 1954.

O desfecho de sua trajetória política e da própria vida contribuiu mais ainda “para reforçar o mito construído sobre a sua personalidade assim como para marcar definitivamente o Palácio como espaço simbólico referencial da República”, no dizer de Cícero Almeida. Como diz a letra da canção Sobre o Tempo (Nenhum do Nós, Thedy Corrêa):

“O tempo passa e nem tudo fica
A obra inteira de uma vida”.

Dois anos depois, em 18 de abril de 1956, o então presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) enviou ao Congresso Nacional uma mensagem propondo a mudança da capital para a região do Planalto Central do Brasil. Adiante, em 1960, uma fotografia registrou Juscelino, acompanhado da família e de autoridades, descendo pela última vez as escadarias do Palácio do Catete, em direção à nova capital federal: Brasília.

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O presidente Juscelino Kubitschek em frente à nova sede do governo federal: o Palácio da Alvorada, em Brasília (Crédito: AP Photo)

Aos poucos, o prédio da antiga sede de governos republicanos tinha seus espaços esvaziados. Esvaziada politicamente também ficou a cidade, que fora sede administrativa desde os tempos dos vice-reis. Pelos corredores despojados de objetos, mas repletos de memórias, ouvia-se, naquele momento, o arrastar dos volumes e as ordens para que as caixas fossem carregadas com cuidado até a calçada, onde os caminhões de transporte aguardavam o início da viagem em direção ao planalto central brasileiro.