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Em meio ao quebra-quebra geral, as estalagens (minúsculas casas térreas construídas uma ao lado da outra) e os cortiços, também conhecidos como habitações coletivas ou casas de cômodos (compostos por cômodos pequenos e elementos de uso comum, como tanques, pátio, corredores e sanitários), desapareceram em meio ao barulho das demolições do chamado “bota-abaixo”. Nas imagens capturadas pela lente do fotógrafo Marc Ferrez (1843-1923), no alvorecer do século XX, é possível observar como eram essas construções.
Além das estalagens e dos cortiços, outras construções foram abaixo, cercadas por nuvens de poeira. Os quiosques – pequenas unidades comerciais – tiveram o mesmo destino. Criados, copiando um modelo europeu, para venda de livros, de jornais, de revistas e de cartões-postais, com o tempo foram perdendo aqui e ali a função original. Passaram a comercializar bebidas, salgados fritos e bilhetes de loteria. Sem conservação alguma ou proteção dos alimentos, no fogareiro a gás eram preparadas e servidas rodelas de batatas e sardinhas. As bebidas iam desde o café, despejado em tigelas, até o vinho, servido em canecas. Os cigarros de palha e os charutos misturavam-se aos doces e jornais. Seus frequentadores assíduos eram as camadas pobres da cidade: escravos libertos, engraxates, carregadores, ambulantes, cocheiros – todos com roupas puídas e gastas, e, muitas vezes, descalços. Tal clientela e a falta de asseio do local eram incompatíveis com as reformas da administração de Francisco Pereira Passos (1836-1913).
Diante dos ares de progresso associados aos conceitos higienistas, a manutenção dos quiosques localizados na área central do Rio ficou insustentável. Mas, ao mesmo tempo que eles eram demolidos, estimulava-se, na mesma região, a abertura de lojas que serviriam o chá da tarde. Com tais ações, Pereira Passos pretendia que o centro da capital federal emanasse o conceito do progresso desejado. O papel da região foi reforçado pela existência, por exemplo, dos teatros líricos – referências da cultura europeia no Distrito Federal.
A administração do espaço público é especialmente complexa: uma arena onde interesses diferenciados, como locomoção, comércio, limpeza e concessões, se encontram e, quando bem organizados, oferecem uma contribuição positiva para as cidades. Porém, retirados os cortiços e os quiosques, para onde foram seus habitantes e clientes? Certamente, muitos trocaram as habitações condenadas por outras em condições semelhantes, mais distantes da área central da cidade onde o progresso se instalava. Buscando um lugar para morar, as classes desprovidas de recursos começaram a subir as encostas dos inúmeros morros existentes na cidade, construindo moradias bastante precárias. Lá, improvisavam casebres de madeira com telhados de zinco.
Foi o que aconteceu no chamado Morro da Favela, localizado na área adjacente ao centro do Rio. Embora não tenha sido o primeiro a ser ocupado dessa forma improvisada, e mesmo sendo um dos mais habitados pela população carente, acabou dando o nome favela, genericamente, aos demais. Hoje, é conhecido pelo seu nome original: Providência. Aliás, desde o final da primeira década dos anos 1900, essa questão assumiu relevância quando o assunto é habitação, pelas transformações que alguns espaços sofreram em consequência da pobreza, confirmando uma tendência iniciada naquela época das reformas urbanas.
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Diante da demanda de moradias, outros grupos migraram para espaços situados às margens das linhas de trem, nos subúrbios. A oferta de áreas desocupadas, ainda sem registro territorial regulamentado, somada à facilidade de acesso por meio da malha ferroviária proporcionaram o surgimento de loteamentos ao longo das ferrovias. A cidade apresentava uma nova configuração do seu espaço urbano e demográfico.