No início do século XIX, a partir das reformas promovidas pelo regente D. João (1767-1826), o Rio de Janeiro tomou modos europeus. Entre saudades e memórias, diversas correspondências saíram das terras americanas, narrando o imenso afluxo de mercadorias e o intenso movimento de pessoas rumo à cidade.
Objetivando dar sustentação à sua real presença na possessão americana, a política joanina criou o primeiro banco do Brasil, que concedeu créditos para que os proprietários de escravos e de terras enraizassem seus interesses nas áreas próximas à cidade. Dessa forma, poderiam explorar as terras férteis recebidas na região do Vale do Paraíba, chamada, na época, de “Serra Acima”, segundo o historiador Ilmar Rohloff de Mattos. Foram distribuídas, para esses proprietários rurais, mudas e sementes diversas para experimentação, entre elas as do café.
Se, por um lado, todas as transformações objetivavam compor um cenário real, outro aspecto, presente no cotidiano do Rio de Janeiro, nem era brilhante e muito menos luminoso: o trabalho escravo, que estava por toda parte: nas chácaras, nos engenhos, nas residências, nas praças, no porto, nas ruas, nos chafarizes.
Segundo Lilia Moritz Schwarcz, a “escravidão representava o limite e a contradição fundamental dessa corte de cenários”. Prossegue a antropóloga: “Um dia se assistia à coroação grandiosa de Dom João”, e, no outro, em animada curiosidade, o espancamento de um cativo dito “fujão”. A presença dos cativos, dos desvalidos e dos despossuídos na cidade atemorizava a corte, deixando-a em permanente sobressalto. Era uma preocupação para a Intendência Geral de Polícia, tirando o sono daqueles que eram chamados, citando o historiador Ilmar Rohloff de Mattos, de os “branquinhos do Reino” (portugueses). Para agravar a situação, escravos fugidos das fazendas da região formavam quilombos nas matas da Serra da Carioca.