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Depois que a Junta Militar decidiu transmitir o poder a Getúlio Vargas, revolucionários gaúchos amarraram seus cavalos no Obelisco, num gesto simbólico que representou a tomada do poder (Crédito: Assembleia Legislativa de São Paulo)

No final dos anos 1920, o modelo implantado no Rio de Janeiro – europeu e bastante elitista – parecia ter encontrado seus limites. A cultura tradicional erudita, concentrada no Distrito Federal, começou a ser criticada por intelectuais e artistas paulistas, em especial os que se entendiam modernos. Surgiram outros projetos para se pensar o Brasil.

Contestações políticas apontavam para uma série de dificuldades que, entre alianças, dividiam os estados. O descontentamento com os rumos políticos do país espalhava-se, alcançando os militares, empolgando alunos oficiais e oficiais subalternos da Escola Militar e das guarnições. Contestavam-se os governos ineptos cercados por grupos corruptos. Ideias anarquistas e comunistas alastravam-se, contagiando intelectuais e operários concentrados nos sindicatos. Em meio às greves e às conspirações, as eleições presidenciais se sucediam.

A campanha de 1929-1930, extremamente tumultuada, veio a eleger o candidato apoiado pelo governo federal – Júlio Prestes de Albuquerque (1882-1946) –, e esse resultado foi bastante contestado. Desordens se disseminaram pelo país, principalmente pela capital federal, onde ocorreram alguns confrontos sangrentos. Pressionado, o presidente em exercício, Washington Luís Pereira de Sousa (1869-1957), renunciou. Uma junta militar reconheceu Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) como chefe do Governo Provisório. Ele ocupou o Palácio do Catete, nele permanecendo até o momento da sua morte.

Segundo o Censo de 1930, a cidade do Rio de Janeiro contava com mais de 1 milhão de habitantes. As reformas promovidas pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913) a partir de 1903 haviam multiplicado as vias de circulação, que passaram a interligar suas diferentes regiões. Outras administrações prosseguiram implantando projetos de remodelação, desenhando e redesenhando os espaços urbanos da capital federal.

O Morro do Castelo, berço da fundação da cidade – local da construção de uma primeira capela (1567) em devoção a São Sebastião, reconstruída em 1583 e onde se encontravam os restos mortais de Estácio de Sá –, foi arrasado em 1922. Inúmeras obras abriram espaço para a construção, por exemplo, de avenidas, como a Presidente Vargas. Os investimentos imobiliários se espalhavam por áreas recentemente urbanizadas, como Leblon, Ipanema e Copacabana – locais aprazíveis “de acesso fácil aos principais bairros da região central da cidade e que atraíram um contingente populacional basicamente oriundo das classes mais altas da sociedade”, no dizer do historiador Carlos Eduardo Sarmento.

Números indicam um crescimento acelerado da população em áreas da Zona Sul e do subúrbio, que se expandiu a partir de uma política habitacional voltada para as classes trabalhadoras. Ao longo dos anos, diversos loteamentos com graves problemas de infraestrutura surgiram ao longo da malha ferroviária. A possibilidade de acesso via trens urbanos consolidou a região como moradia do proletariado.

O empobrecimento das camadas populares (atingidas pela crise internacional de 1929, que, em espiral, alcançou o Brasil) correspondeu a um crescimento da população nos morros da cidade. Estimativas entre 1920 e 1933 informam que as favelas cresceram, em média, 14% ao ano. A partir dos anos 1930, o Rio de Janeiro “se descobriu partido entre asfalto e morro, entre Zona Norte e Zona Sul”, afirma o antropólogo Hermano Vianna.

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Em 1922, ano em que se comemorava o Centenário da Independência do Brasil, o Morro do Castelo, berço da fundação da cidade, foi totalmente arrasado (Crédito: Augusto Malta/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro)

O compositor Wilson Batista (1913-1968), um cronista do seu tempo, faz o contraponto da Zona Norte e da Zona Sul, ora narrando que o bonde São Januário leva mais um operário, ora revelando alegria quando o Ipanema entra no Tabuleiro da Baiana (entre as atuais Rua Senador Dantas e Avenida Treze de Maio), trazendo belas cariocas a bordo. Eram tempos, na Era Vargas, do Estado Novo (1937-1945), quando a propaganda exaltava o trabalhador como herói dos tempos modernos, em substituição à imagem de um personagem típico dos morros cariocas, bastante ligado à história do samba: o malandro. O Rio de Janeiro passou a ser visto como “o laboratório de onde surge o Brasil mestiço e laborioso”, segundo palavras da historiadora Armelle Enders.