Uma curiosa lista que contabilizava as infrações cometidas no trânsito da cidade do Rio de Janeiro por automóveis, bondes e ônibus, publicada na imprensa no dia 12 de março de 1934, destacava: “desobediência ao sinal para ser fiscalizado: 8; excesso de velocidade: 5; não diminuir a marcha no cruzamento: 4; estacionar em local não permitido: 54; passar à frente de outro ônibus: 29; contra-mão de direção: 17; falta de atenção: 10; e outras faltas menores”.
Além de transgressões à legislação, era um forte indicativo de que a vida na cidade já não era a mesma. Muitos cariocas chegavam a dizer que o Rio estava inabitável. Protestavam contra o barulho produzido pela circulação de automóveis, ônibus, motocicletas e caminhões, que cruzavam, ruidosamente, as ruas e as avenidas.
As queixas, depois que os sinais de trânsito foram instalados durante a administração do prefeito Antônio da Silva Prado Júnior (1880-1955), vinham de todo o lado: motoristas reclamavam das multas recebidas; os pedestres, da demora na travessia que, muitas vezes, resultava na perda da barca da Cantareira, que cruzava as águas da Baía de Guanabara em direção à cidade de Niterói.
O visual do Rio, entre 1930 e 1960, transformava-se não apenas pelo trânsito de veículos, mas também pela presença dos altos prédios erguidos e pelos inúmeros reclames expostos em painéis ou em muros. O espaço urbano carioca teve outros traçados e um crescimento demográfico significativo. Era uma modernidade que causava orgulho para alguns, enquanto outros suspiravam em saudades. Lamentavam que o tradicional cafezinho, antes saboreado nas mesinhas onde as conversas tratavam das últimas notícias políticas ou de amores e desamores, passou a ser servido, apressadamente, em pé, trocado por fichas.
O centro da cidade tornara-se, prioritariamente, comercial. Além dos escritórios de empresas diversas que se estabeleceram na região, perdeu seus moradores, que se deslocaram para os novos bairros da Zona Sul. Copacabana, por exemplo, vivenciou um aumento populacional associado à verticalização das construções. Olhar para o céu, nesse bairro, era ter o raio de visão bloqueado pelo concreto dos prédios erguidos em plena expansão imobiliária. A construção civil, por sua vez, espalhava-se pelo Rio de Janeiro “onde antes só havia chão”, como registrou o poeta Vinicius de Moraes em seu poema O Operário em Construção.
A concentração das camadas médias naquela localidade atraiu um comércio sofisticado: lojas refinadas, restaurantes da moda, cinemas. Turistas e cariocas adotaram a prática do caminhar pelas famosas calçadas, pisando nos mosaicos que reproduzem ondas, ondas e mais ondas, inspiradas nos ventos que sopram do Atlântico. Mas não era apenas em Copacabana que aconteciam metamorfoses. Os bairros periféricos ao Centro, assim como os dos subúrbios da Zona Norte, conheceram naquele período uma expansão considerável.
O número de estabelecimentos comerciais no Rio de Janeiro cresceu em torno de 30% na época, e a mão de obra empregada no setor comercial, em 40%. As indústrias, mais acentuadamente a partir de 1938, começaram a se expandir em direção aos subúrbios, pois as instalações preexistentes no centro da cidade se revelavam inadequadas. Então, ocuparam espaços ao redor de bairros como São Cristóvão (de memória imperial), Bonsucesso, Del Castilho e Maria da Graça. Ao lado das fábricas de tecidos, surgiram as de papel, de lâmpadas, de parafusos e pregos, e as de vidros, por processo mecânico.
Todas essas atividades, gerando empregos, estimularam o êxodo rural em direção à capital federal. Pelas estradas brasileiras, vieram muitos nordestinos, que ocuparam as áreas próximas às fábricas em que trabalhavam, na Zona Norte e na região da Baixada Fluminense. Foram projetadas moradias para esses novos bairros que se formavam no subúrbio carioca. Era necessário que as casas populares, além dos preços acessíveis, proporcionassem habitações dignas aos seus compradores.
Para muitos, como registrava a canção Com Que Roupa?, de Noel Rosa, “a vida não era (nada) sopa”. A esperança de melhores condições de vida – chamariz para essas populações que se deslocavam para o Rio de Janeiro – inspirou um comentário ácido e irônico do jornalista Nestor de Holanda, citado pelo professor Sergio Miceli Pessôa de Barros: “ O Cristo no alto do Corcovado, de braços abertos, vive bancando guarda de trânsito, a fechar o sinal para impedir a entrada de novos nordestinos”.
Talvez não percebesse que, para aqueles que chegavam, viver era tão importante quanto sonhar.