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Sambistas no olhar de Candido Portinari, um dos artistas plásticos que mais se inspiraram na cultura popular. Desenho de 1935 (Crédito: Projeto Portinari)

Tradicionalmente, pesquisadores aceitam que a certidão de nascimento do samba data de 1917, quando da gravação em disco da música Pelo Telefone, de Donga – nascido Ernesto Joaquim Maria dos Santos (1890-1974). Seus versos destacam o perfil dos apreciadores do ritmo:

“Quem for bom de gosto
Mostre-se disposto
Não procure encosto
Tenha o riso posto
Faça alegre o rosto
Nada de desgosto”.

O samba, essa construção musical feita com um ritmo de compasso binário, símbolo nacional nos anos 1930, veio sendo construído ao longo de várias décadas. Resultou do entrecruzamento de grupos sociais distintos, de experimentações artísticas variadas, do surgimento de novos meios de comunicação e das transformações políticas e sociais. O antropólogo Ari Lima defende a ideia de que o samba carioca “é negro-africano” sublimando as “desigualdades sociais generalizadas”.

A partir de Pelo Telefone, segundo muitos especialistas no assunto, o nomeado samba carioca urbano começou a ser difundido pelo Brasil, associado inicialmente ao carnaval e, mais tarde, adquirindo seu lugar no mercado musical. Essa música popular que mistura sátiras e temas simples e sutis – como o orvalho, a aurora, o canto de pássaros – fez história. Inspirou autores em melodias que não são esquecidas.

Objetivando transformar o Rio de Janeiro em uma “Europa possível”, como dito por Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), cronista da época, o prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913) desalojou a população mais carente, empurrando-a para os morros e os subúrbios. O samba carioca, que se acredita ter nascido nas áreas centrais do Rio, como o Estácio, se espalhou por outras regiões. O Estácio, com sua população composta por um grande contingente de negros e de mulatos, era considerado pelas classes mais abastadas como um local “perigoso, reduto de malandros”, segundo registra o pesquisador José Ramos Tinhorão.

Lá surgiu um rancho carnavalesco que se tornou bloco e depois se transformou, segundo muitos pesquisadores, na primeira escola de samba do Brasil – a Deixa Falar. Para estudiosos, como Luiz Fernando Vianna, essa escola era “um bloco de corda”, organizado e diferente daqueles espontâneos conhecidos como blocos de sujos. Se os ranchos da época incluíam instrumentos de sopro, a Deixa Falar utilizava apenas percussão, formada por surdos, tamborins, cuícas e, mais tarde, pandeiros e chocalhos. Esse conjunto musical recebeu, depois, o nome de bateria, que deu um tom diferente, uma batida sonora criada para empolgar a dança que avançava pelo espaço do desfile carnavalesco.

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O G.R.E.S. Salgueiro em 1962, quando o desfile das escolas de samba ainda era na Avenida Presidente Vargas (In: Almanaque do Carnaval, Ed. Zahar)

Como a reunião da turma do bairro do Estácio era em frente a uma Escola Normal (espaço onde se formavam educadores), localizada na esquina das ruas Joaquim Palhares e Machado Coelho, o compositor Milton de Oliveira Ismael Silva (1905-1978) sugeriu que aquele grupo, composto por professores, era, por analogia, uma escola de samba. Adiante, surgiram o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro e outras escolas mais. Segundo Noel Rosa (1910-1937), nos versos da canção Coisas Nossas:

“O samba, a prontidão
E outras bossas
São nossas coisas,
São coisas nossas”.