Quando, em 1960, o espaço do Distrito Federal saiu do Rio de Janeiro, transferindo-se para Brasília – localizada no Planalto Central do país –, surgiu entre as unidades da federação um novo membro: o estado da Guanabara. Estudos bem antigos sobre a possibilidade de tal mudança constam em trabalhos como o do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), publicado em 1877, sob o título A questão da capital: marítima ou interior?.
A Constituição de 1891, no seu artigo 3º, já previa essa possibilidade, e a cidade caminhou em busca de uma nova identidade. Segundo registra a historiadora Lúcia Lippi Oliveira, entre os anos de 1892 e 1896, “uma famosa comissão dirigida por Luís Cruls, diretor do Observatório Astronômico, foi incumbida de demarcar no Planalto Central o quadrilátero a ser ocupado pela nova capital”.
A História, nas décadas iniciais do século XX, foi marcada pelo crescimento das urbes, pautadas como espaços de tecnologia. Assim, a cidade que substituiria a antiga capital do país deveria ter um perfil moderno e avançado. Se por um lado Brasília representava uma aventura de vanguarda, a conta a ser paga veio com a inflação, que se infiltrou, sorrateiramente, na economia nacional. A transferência não foi bem aceita por todos os envolvidos direta ou indiretamente. Um artigo publicado no jornal de oposição ao governo naquela época, a Tribuna da Imprensa, observa com incredulidade as concretas possibilidades de mudança da capital, tachada como um “negócio apressado”.
A ideia da construção de Brasília se sustentou, também, na alegada incapacidade de o Rio de Janeiro continuar a exercer a função de cidade-capital de um país que precisava se modernizar e se integrar ao mundo desenvolvido. No momento, a cidade se deparava com um processo que buscava tornar ilegítimo o papel que exercera, até então, como cabeça da nação. Mas, se era irreversível perder o status de capital, um novo (e especial) debate ganhou fôlego. Que lugar o Rio de Janeiro ocuparia na federação? O que fazer com a cidade, o antigo Distrito Federal, chamada de Velhacap?
Após aprovada a transferência pelo Congresso Nacional, em outubro de 1957, a pauta, no âmbito da imprensa ou entre os setores políticos onde conviviam interesses partidários e regionais de contornos opostos, era o destino do Rio de Janeiro. O debate aberto em 1958 pela imprensa alcançou a população e avançou em direção à tribuna parlamentar. Até o ano de 1960, aconteceram acirradas discussões. Inúmeras matérias publicadas, por exemplo, no Jornal do Brasil, no Correio da Manhã e na Tribuna da Imprensa contestavam a transferência. Os que apoiavam, chamados de mudancistas, aglutinavam-se em noticiosos como Última Hora e Jornal do Commercio. Tais polêmicas indicavam que esse era o assunto que mobilizava, agitando a imprensa da cidade daquela época.
Por sua vez, a classe política carioca preocupava-se bem mais com a questão da autonomia que o antigo Distrito Federal teria do que com a ameaça da perda da condição de capital republicana. Enquanto em 19 de setembro de 1956 era sancionada a Lei nº 2.874, que criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), responsável pelas obras da construção de Brasília, um importante fato marcou a história do Rio. Contando com a inciativa do senador Mozart Lago (1889-1974), do Partido Social Progressista (PSP), foi aprovada, em 3 de julho, a Emenda Constitucional n° 2, que dava à cidade o direito de eleger seu prefeito em 1960, quando do pleito presidencial daquele ano. Essa era uma antiga luta de correntes políticas cariocas: prover o cargo de prefeito por eleição direta, já que o Distrito Federal não era estado nem município. Esse êxito foi bastante importante para a conquista da autonomia da cidade, que viria a seguir.
Diante da irreversibilidade da transferência da capital, não era possível, segundo a historiadora Marly Motta, “encolher os ombros e fechar os olhos à realidade, já que a sorte da mais bela cidade brasileira, da grande capital imperial e republicana, estava em jogo”.
Porém, o novo espaço político que se abriu na cidade, antiga capital federal, era especialmente ambicionado “em virtude da acentuada politização decorrente da sua condição de ‘caixa de ressonância’ das questões nacionais, com uma população alfabetizada, concentrada no meio urbano, e representando um dos mais expressivos contingentes eleitorais do país”, conclui Motta. Articular uma solução, cada vez mais urgente, envolveu ideias que, partindo do nível federal, se irradiaram pelas estruturas estaduais e locais.